domingo, 29 de março de 2015

Por que gostamos de alguém?

Uma pequena aventura pessoal

Aventuras pessoais podem ser tolas aos olhos dos outros, mas só quem as viveu sabe seu significado. Só quem esteve lá sabe dizer por que foi especial.

Eu vivi em 2014 uma destas aventuras pessoais, cheias de significados íntimos e desafios pessoais. Pensando nela, escrevi um texto, que talvez não tenha ficado bom, perdi-me na profusão e confusão de lembranças e atalhos da mente. mas de qualquer forma, é algo que quero compartilhar.

Quero compartilhar minha pequena aventura...

Por Tarja

Vou adentrar nos labirintos de minha mente, ainda que temendo me perder por lá, buscando respostas para algumas questões que há algum tempo me assombram.

Por que gostamos de alguém?

Porque nos faz bem, nos faz rir, nos faz sentir melhor. Seriam as respostas mais obvias.

Mas e quando esse alguém sequer sabe que existimos, e a despeito de todas as fantasias e sonhos, nunca saberá?
E se souber, não passará disso, um simples e distante 'ele sabe que eu existo'.

Por que gostamos de um artista em especial?
Quanto tempo, dinheiro e esforço você emprega com quem você gosta? E mais importante, o que espera em troca?

Essas perguntas são meu norte nessa minha pequena viagem. Vou mergulhar na minha mente, vasculhar na confusão de lembranças boas e ruins, em busca das cores que devem haver na escuridão.

Quando numa noite comum, num dia qualquer em outubro de 2013, eu estava no Facebook lutando contra o tédio e ouvindo musicas aleatoriamente. Um acontecimento ínfimo marcaria o inicio de uma longa profusão sentimentos, ações e decisões, uma 'viagem de férias'.
Uma simples postagem no perfil oficial da soprano finlandesa Tarja Turunen, anunciando locais e datas para três shows dela no Brasil.

Ela vem ao Brasil! Minha cantora favorita vai voltar e desta vez eu vou! Ecoou em minha mente. Nunca havia assistido um show ao vivo, pois moro no interior do Brasil e para assistir uma apresentação ao vivo tenho que literalmente cruzar o país. Até então, nenhum artista havia me motivado à tanto.

Nenhuma atitude foi tomada de imediato, talvez por causa do tédio ou da 'distancia', eu tenha suprimido a ideia assim que ela terminou de ecoar. Mas as boas ideias são imortais, e essa permaneceu em algum ponto de minha mente, movendo-se de tempos em tempos, sussurrando a lembrança de que 'Tarja esta vindo...'

Fazer um viagem tão longa, até Belo Horizonte, uma cidade que nunca estive antes, viajar sozinho e sem conhecer ninguém de lá, voar de novo depois de 10 anos... Todos pequenos desafios pessoais, que somados se tornam um ótimo motivo para deixar a ideia morrer.

Fui ao site de venda dos ingressos, vi os preços. Caros, sem duvida, mas nada 'impossível', já que havia tempo para se programar para os gastos da viagem.

Tempo, distancia, dinheiro, medo...

Mas boas ideias se recusam a morrer, se você precisa fazer algo, se uma ideia deve se tornar realidade, ela vai persegui-lo, cansá-lo e vencê-lo.
Por fim comprei o ingresso para o camarote, pois ainda receoso pelo 'medo do desconhecido', achei desconfortável a ideia de ir para a pista. Cerca de vinte dias depois chegava, via correios, meu ingresso. Tê-lo em minhas mãos foi, estranho, pois senti alegria por fazer algo que realmente queria fazer, mas assustado por o estar fazendo.

Novamente no Facebook, em comunidades criadas por fãs, conheci a outros de Tarja Turunen, alguns que iriam ao show de BH, que em suas pequenas aventuras particulares compartilhavam de minha tensão e 'medo'.

Há uma nota em particular que vale contar, o show dela em BH ocorreu em 11 de setembro de 2014 e no acumulado de detalhes ínfimos, me veio a mente que eu estaria voando, indo para um aeroporto internacional, em 11 de setembro. Quando se esta tenso, mesmo o menor elemento é relevante para sustentar a apreensão.

Conversar com eles pelo Facebook, e posteriormente pelo Whatsapp, num canal especifico sobre o show em BH, me ajudou a alcançar a calma, sentir que seria possível e talvez nada traumático essa pequena aventura pessoal.
Por esses meios conheci a tantos que fica difícil nomeá-los. Não interagi com todos como gostaria, mas com os que consegui, foi intenso e muito engrandecedor. Devo muito a eles, por sua amizade e paciência, por suas historias compartilhadas e 'presença' permanente.

Jonatas, da Bahia em sua própria pequena aventura rumo BH, indo ao show e indo entregar uma boneca 'barbie Tarja Turunen nemo'. Por essa boneca acabei por fazer algo que nunca havia feito, escrevi para o perfil oficial de Tarja no Facebook, contando sobre a boneca e sobre o desejo de Jonatas de apenas entregá-la nas mãos dela. Segundo ele, ou entrego em mãos, ou a atiro no palco (temíamos que com a mira do Jonatas, ele acabasse por atingir a cabeça dela...). Acompanhei todos os dias de esforço de meu novo amigo em preparar a boneca, fazer o vestido e todos os detalhes, e se ela, ou mais provável alguém da equipe dela, chegou a ler minha mensagem é irrelevante agora.
No dia do show, Jonatas conseguiu ficar na grade realizar seu feito. Um momento de indescritível beleza, quando num movimento simples e singelo Tarja, de cima do palco, se curva e estendendo a mão pega a boneca das mãos de Jonatas, enquanto todos que conheciam a historia por trás deste momento gritavam esfuziantes.
Por que há beleza esse momento? Por que algo tão simples se torna tão importante?
Porque a beleza não está nos grandes atos, está nos sinceros. Ela poderia ter ignorado a boneca descabelada e suja, tal como ficou depois que todos que a viam quererem pegar e 'brincar' com ela. Mas ela estendeu a mão, e por um breve momento Jonatas e ela seguraram no mesmo objeto. Há beleza, porque para alguns, vencer o desafio significa chegar chegar no cume da montanha, olhar o mundo de cima e dizer 'estou no topo', para outros é o simples momento de olhar nos olhos e dizer 'fiz para você'.

Erik e Hud, administradores do canal do Whatsapp sobre o show. Lindos e lideres do grupo. Há algo neles que inspira tranquilidade aos demais. Foi fácil ficar perto deles, foi aconchegante e reconfortante.

Tayna, a menina extrovertida e expansiva que cativou a todos com seu carisma, sua simpatia e seu decote... digo, sorriso.

Marcela Lasmar, nossa parceira de camarote, ostentadora de uma foto com Tarja.

Jeff, com seu sorriso fácil e cativante, empolgado e afetuoso. Sua companhia, embora tenha sido curta, foi marcante.

Guilherme Magalhães, meu primeiro contato verdadeiramente Tarjista. Erudito por natureza.

Tantos outros de me cativaram e deixaram-se cativar por mim. Alguns eufóricos por ir, outros melancólicos por não poder ir.

Helena, do Piauí, não pode ir, mas pediu para festejarmos por ela. E o fizemos.

Assim, os dias de conversas se alongaram, os contatos do Facebook se formaram e semanas antes do shows chego a sentir-me arrependido de comprar o ingresso do camarote. A pista agora, se projetava como algo muito mais interessante.

Mas voltando um pouquinho no tempo, há algo que esqueci, concentrado que estou em meus amigos de BH, me esqueci que, também fui ao show dela no Rio de Janeiro...

Já era Maio de 2014 quando, conversando com minha amiga Paloma, que mora no Rio de Janeiro, lhe contei de meu 'impulso' incomum em fazer tal viagem e ela me convidou para ficar na casa dela alguns dias. Eu estaria tão perto, nada mais justo que eu e minha 'menina perdida' finalmente nos conhecermos.

Assim por volta de Abril, estava tudo definido, pegaria um ônibus no dia 10 de setembro até Goiânia, estado de Goiás, chegando lá as 5 da manhã, de lá um voo até Congonhas, Estado de Minas Gerais, chegando as 4 da tarde, um ônibus até Belo Horizonte, e iria a pé até o hotel chegando lá às 5 da tarde; banho, roupa e táxi até o Music Hall por volta das 6 da tarde. No dia seguinte ônibus até Congonhas, voo até o rio chegando por volta das 9 da manhã no rio, vou para casa da minha amiga e fico lá até domingo, para o show da Tarja no Circo voador. Esse era o plano, definido e visualizado com messes de antecedência.

Mais que enfrentar o 'monstro', o que assusta é não conhecer seu tamanho. Mas agora meu monstro fora medido, tinha tamanho, cor e cheiro, era vencível, domável. Não assustava mais.

Dez de setembro, nove e meia da noite, embarco no primeiro ônibus rumo Goiânia, no 'coulours in the road' eu era mais um grão de tinta na estrada. O preto e vermelho de minhas roupas, o negro do esmalte nas minhas unhas, o verde dos meus olhos, indo encontrar o verde dos olhos dela.

Meu cronograma de horários era tão apertado que não havia margens de erro, se tudo saísse no horário, eu chagaria no Music Hall as 6:30 para os portões abrirem as 7:30. Não havia tempo para atrasos. E não foi preciso. Às 6:30 lá estava eu, às portas do Music hall, abraçando meus novos amigos, conhecendo-os no real sentido de conhecer alguém, olhando-os nos olhos, sentido seu calor, vendo seu sorriso.

Lá conheci Grace Kholman, uma 'Dragon' (Fã do Within Temptation) e entusiasta da Tarja. Embora já a 'conhecesse' do Facebook, foi ali também que nos conhecemos de verdade. O que conhecia dela é o que compartilhamos no Facebook, seu apreço por series de TV, seu serviço 'escravo voluntário' para a banda Within Temptation...

Na longa espera, acabei por conhecer uma das meninas mais introspectivas, reclusa em si mesma, (mesmo na 'multidão' que a cercava) Myla Eslaine. Lider do fã clube da Tarja, motivada para o show, pouco atenta para os que estavam em sua volta.

Pude na fila passar um pouco de tempo com Thais Teixeira, encantadora menina, um sonho de mulher, com seu estilo gótica comportada, sempre transitando entre o sóbrio e espontâneo, na medida certa. Olhos atentos e sorriso livre, fácil e encantador.

Por um motivo ou outro, acabei por me afastar delas, ficando bem próximo de Tayna. Quem me ajudou, mesmo tendo chegado meia hora antes dos portões abrirem, ser um dos primeiros a entrar, e depois de então, mantivemo-nos sempre perto. Corremos, bebemos, demos uma entrevista (sim até isso aconteceu!) ficamos lado a lado todo o show. No camarote ficamos tão 'em cima', que víamos o palco por trás da linha branca, Tarja para nos ver tinha que quase voltar-se para a banda.
Por que ela iria querer nos ver? Digamos que tinha o fator Tayna...

Terminamos a noite roucos, eu de gritar e 'cantar' (na verdade o que faço é algo bem próximo do canto, mas não se pode dizer de todo que é canto...) ela, de berrar interruptamente coisas como 'Tarja olha pra cá' e claro, o já mitológico: “kiss camarote”.

Foi uma noite forte, intensa. Depois do show, depois da 'foto oficial' dos 'Tarjetes de BH', acabei por ter mais um momento com Thais, na praça em frente ao Music Hall, esperamos o taxi. Vimos a van levar a banda embora. E ficamos por lá, conversando, descobrindo um ao outro. Dividimos o taxi, até meu hotel, de onde ela seguiu para a casa dela, e foi fui dormir, para continuar minha jornada, agora rumo ao rio de janeiro.

Aqui cabe uma nota de Grace Kholman, ainda no foco de minha história.
Grace teve sua própria aventura pessoal, indo messes depois do show da Tarja, a um show do Within Temptation em Nova York. Eufórica, ela postou no FaceBook que havia conseguido abraçar a Sharon den Adel. Um mês depois, aqui no Brasil, ela espera a banda desembarcar no aeroporto, consegue mais que um rápido abraço. Autógrafos, fotos, todos os 'troféus' de fã.
Vendo-a nas fotos com Sharon, atinei-me ao fato de que nem ao menos tentei tal feito, quando estive em BH para o show da Tarja.
Mas repensando tudo, não havia tempo hábil. Reconheço que isso é um subterfúgio comum ao 'derrotado', tirar de si a culpa e por na escassez de tempo é lugar comum de quem falhou.
Mas neste caso vou insistir nele, por que para ter esse nível de 'tietagem' eu teria que chegar antes, ficar mais tempo em BH. Cheguei em BH algumas horas antes do show, e fui embora as sete da manhã do dia seguinte ao show. Eu estava concentrado em minha outra pequena missão: encontrar minha menina perdida.

Mas...

...há coisas que não devem acontecer.

Mais uma vez a menina escapou-me por entre os dedos, ficou longe dos olhos e de meu alcance.
Ao acordar no hotel, na manhã do dia 12 de setembro, vejo em meu celular duas ligações não atendidas, duas ligações de Paloma.
A sogra dela havia falecido na noite do show, creio eu que dentro do intervalo de tempo do show. Assim ela e o marido inglês, estavam indo imediatamente para Londres, velar e se despedir dela.

Durante 12 anos houve 1200 quilômetros entre eu e minha menina perdida. Quando meu avião aterrissa no Rio de Janeiro, o dela esta cruzando o Atlântico. Sempre houve um país entre nós, agora havia um oceano.

Meu plano de aproveitar o Rio até bem depois do show não existia mais. Meu monstro agora cresceu, e não podia mais medi-lo. Minha segurança era meu plano, meu cronograma. Sentia me inseguro e sozinho em uma cidade estranha e violenta.
Minha motivação e animo em ver o show estavam menores. A dor de minha amiga, sua perda, nosso desencontro, tudo doía.
Do momento mais alegre em muito tempo, eu mergulhei no mais melancólico em muitos anos. Senti medo, mas ainda assim, senti que queria enfrenta-lo. Sentia-me triste, mas sabia que iria passar.

Do show do dia 14 de setembro, no circo voador, tenho pouco que falar. Na fila eu estava 'sozinho'. Não havia rostos conhecidos. Grace estava lá, em algum lugar na fila, distante demais de meus olhos. Minha mente também estava em outro lugar. Estava com minha amiga, em seu luto e dor. Distantes no espaço, mas próximos em sentimentos.

O show em si, foi um momento de alivio. Cantar, gritar! Me ajudaram muito. Sentia-me melhor depois de extravasar um pouco durante aqueles momentos.

Na quarta-feira estava eu embarcando de volta para casa. Dois aviões e um ônibus até chegar em casa.

Na quinta a noite eu estava atravessando os portões de casa, um grãozinho de tinta, um pouco desbotado, cansado. Num misto de felicidade e tristeza, de força e fraqueza, vitoria e fracasso, tudo bem equilibrado, na media da vida, porque nada é perfeito.

Enfim estava em casa, terminando minha pequena aventura pessoal, me perguntando como tive coragem de faze-la. Como alguém que já teve agorafobia enfrentou cidades desconhecidas, bruscas mudanças de planos, pessoas estranhas.

Por que gostamos de alguém? Porque este alguém, as vezes sem saber nem intenção, nos ajuda a quebrar as pequenas barrerias que nos mesmos criamos. Nos motiva a tentar, a despeito das dificuldades, lutar para que sonhos e fantasias se tornem realidades.
Motivei-me por Tarja, mas se o fiz, foi por meus amigos, foi por mim.

Por que gosto dela?

Porque ela, de um modo tortuoso e obviamente não intencional, me ensinou a gostar mais de mim.

Cácio José Gazola



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